segunda-feira, 2 de abril de 2012

É possível rezar quando estamos sofrendo e doentes

Da dor, das doenças, das preocupações ninguém escapa. Mais cedo ou mais tarde nos deparamos com situações em que, como Jesus no alto da cruz, gritamos: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" E, por mais que a medicina se esforce, existem ainda doenças para as quais não se descobriu a cura. Além disso, quando pensamos ter encontrado o remédio para uma enfermidade, aparecem imediatamente outras que, à luz da ciência, são inexplicáveis.

Jamais devemos pensar que a doença seja castigo ou vingança de Deus contra o homem pecador. Este pensamento seria uma blasfêmia, uma visão distorcida do amor infinito de Deus para com o ser humano.

As doenças são frutos de imprudência, de situações que poderiam ser evitadas, de descuidos do poder público, de ‘violências’ ambientais e humanas contra a natureza que exige respeito e amor. Todo transtorno humano, biológico ou da natureza nos questiona profundamente e nos obriga a recorrer a Deus para encontrar uma resposta para os nossos dramas interiores. Aliás, os santuários de onde sobem a Deus as preces mais fortes e fervorosas são os hospitais e prontos-socorros. Quantas pessoas, não encontrando soluções para seus problemas, recorrem a Deus. Porém, algumas vezes, não sendo atendidas nos seus pedidos, desanimam e se consideram abandonadas por Ele. Entretanto, quando não sentimos Deus ao nosso lado, é certo que Ele está perto de nós. O seu amor é eterno, fiel e jamais nos abandona.

Precisamos nos convencer de uma só coisa: nada pode nos dispensar da oração. Nem as enfermidades, nem os trabalhos, nem as mil ocupações que preenchem nossas agendas. A oração é uma questão de fidelidade e de amor. Sem o amor nos sentimos perdidos, inseguros, sem saber para onde vamos. O amor humano às vezes nos falha; nem sempre podemos contar com a presença dos que consideramos amigos, muitos se afastam de nós e nos encontramos sozinhos no deserto da vida. Nesses momentos devemos reforçar nossa oração e permanecermos bem unidos a Deus.

Muitos santos aprenderam a rezar na doença

É interessante notar que muitos santos se converteram e aprenderam os segredos da oração na doença. Enquanto estavam com saúde viviam como se Deus não existisse, dedicados a todo tipo de prazeres e diversões. Parecia que nada seria capaz de perturbar-lhes a tranquilidade; buscavam com ânsia realizar tudo que lhes vinha à mente.

A saúde nos dá um sentido de terrível autossuficiência, independência de Deus e dos outros. Essa visão utilitarista e individualista é comum em todas as idades, mas especialmente na juventude, quando os problemas, a doença e a morte parecem fantasmas muito distantes.

Quem não se lembra da história de Francisco de Assis? Era jovem, rico e amigo de todos, mas a dura experiência de preso político na cidade de Perúgia, onde adoeceu, o fez sentir toda a própria fragilidade e pobreza. Nesses momentos de dor física e moral, de profunda solidão humana, o coração de Francisco foi mudando e escutando a voz do Senhor que o chamou para ajudá-lo a reconstruir a Igreja através de seu testemunho e pregação. O exemplo de Francisco é para todos nós um convite; ele soube aproveitar a doença para se aproximar mais e mais do Cristo crucificado.

Outro exemplo é Inácio de Loyola. Forte e corajoso, desejava ser lembrado na história por seus feitos a serviço dos reis da Espanha; porém, ao ser ferido na guerra, pediu livros de cavalarias para ajudar a passar o tempo; mas, na falta destes, lê a vida dos santos e os Evangelhos. Esses livros tocaram em profundidade o seu coração e ele se converteu. A enfermidade torna-se para ele ‘um sacramento de amor’. Através dela, percebeu que tudo é vaidade e que a única coisa que, realmente, importa é servir a Deus e à Igreja.

Teresa de Ávila, também, não foge a esta regra. Jamais teve boa saúde, a ponto de ser considerada morta e ter uma cova aberta; mas soube enfrentar tudo por amor ao Senhor e percorrer as terras da Espanha fundando Carmelos onde ‘o Rei, sua Majestade fosse bem servido’. Na sua autobiografia, Teresa revela que o caminho do sofrimento não deve nos afastar da oração em momento algum da vida: "Na doença e em situações difíceis, a alma que ama tem como verdadeira oração fazer a dádiva dos seus sofrimentos; lembrar-se daquele por quem os padece, conformar-se com as própria dores, havendo muitas outras coisas possíveis. Trata-se do exercício do amor, com um pouquinho de boa vontade, obtêm-se muitos lucros nos momentos em que o Senhor nos tira o tempo da oração com sofrimentos" (Santa Teresa de Jesus - Vida 7,12).

Talvez o exemplo mais evidente de que na doença é possível rezar seja o de Santa Teresinha do Menino Jesus, que morreu de tuberculose aos 24 anos. Ela sentiu a dor, o medo e, quem sabe, a tristeza de morrer na juventude. No livro História de uma alma, vez por outra ela nos abre um pouco das cortinas do seu coração e nos faz entrever o seu sofrimento: "O Senhor me dá coragem em proporção ao padecimento. Sinto que, para o momento, não poderia suportar mais, mas não tenho medo porque a coragem aumentará, se a dor redobrar" (Santa Teresinha do Menino Jesus).

Mesmo que o corpo seja esmagado pela dor, a alma sempre pode elevar-se acima de tudo e permanecer em íntima contemplação dos mistérios de Jesus: paixão, morte e, sobretudo, ressurreição. O cristão não pára na paixão nem na morte, ele sempre contempla Cristo glorioso que, tendo vencido todas as dores, nos chama à plena alegria na eternidade.

Rezemos para que a dor, os sofrimentos e as doenças nunca cheguem. Mas, se um dia eles baterem à nossa porta, saibamos acolhê-los como irmãos que nos visitam e fazer desses momentos oportunidades de muita oração. Não devemos nos deixar convencer de que a dor é boa; somente pela fé ela se torna caminho de amizade e de amor que nos abre a porta do paraíso.


Frei Raniero Cantalamessa

pregador oficial da Casa Pontifícia

Fonte: Jornal de Opinião Online – Ano 23 – nº 1188 – 19 a 25 de
Março de 2012

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